sexta-feira, 18 de junho de 2010

fez-se, enfim, ao mar, à procura de si mesma.

Há poucos dias li no posfácio do livro "Os Sonhos Não Envelhecem" (de Márcio Borges, sobre o Clube da Esquina e seus personagens) o próprio Milton Nascimento contando um episódio nos EUA, em que alguém diz a ele que fazer arte é tocar a alma de quem não se sabe e nem onde. E eu nunca tinha ouvido nada sobre arte que eu tivesse concordado tanto.
Tive vontade de chorar, como tenho agora, e não simplesmente porque me atinge a metalinguística presente nessa fala e no momento que ela toca a minha alma, mas também porque, dentre tudo o que já foi dito sobre conceituação de arte, essa é a única que me satisfaz. É responder à arte usando a própria arte.

E é isso que eu sinto ao ficar emocionada com a morte do Saramago. É que ele, assim como vários outros, veio, se foi e nunca teve ideia da quantidade de almas que já tocou e das que ainda vai - provável que eternamente - tocar. E eu, daqui de onde ninguém me vê, acrescentaria que é arte tudo aquilo que é eterno. E disso pode ter certeza: meus filhos lerão, meus netos, meus bisnetos, ...
Até que chegue a minha hora, como chegou a sua.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

caixas de Pandora - 1


Ah...esse encaixotar da vida ainda vai render muitos e muitos escritos...
Mas o primeiro deles é que eu finalmente entendo o significado de "aquilo? ah...se perdeu na mudança..."

'Se perde na mudança' tudo o que fica pra trás, que não se quer na casa nova, que não se precisa na vida nova, o que se joga fora de propósito porque já não se pode mais olhar, e diz-se pros outros que 'se perdeu'. É que muita coisa mesmo se perde pelo caminho, mas outras não se quer mais, joga-se fora. Já fazia um tempo, é verdade, que aquela caixa enorme de cartas estava lá, parada e lotada, vez em quando revirada, mas como todo e qualquer passado: imóvel, imutável e carregada de lembranças.

Ah, claro, sim, sobraram alguns cartões. Que talvez tenham sua hora na próxima mudança.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

o preço de o dia r

"Tira esse ódio do coração, menina!"

da vontade repentina de dizer tudo que eu odeio!

eu odeio quem finge ser feliz.
eu odeio espírito de velho. [quero viver pra sempre, e isso só morrendo ainda criança]
eu odeio quem comercia a alma. [e perde o gosto do que faz todos os dias]
eu odeio ouvir crianças dizendo 'eu odeio ler'. [desacredita o mundo.]
e eu odeio os mestres que não odeiam isso. [desacredita a vida.] ['e há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto']


eu odeio ser paga. [ofereço instrução gratuita aos que sabem menos. e aceito a dos demais.]
eu odeio ser paga. [ofereço meus acordes aos que se dispuserem a ouvir. e aceito os demais.]
eu odeio quem não gosta de cachorro.

ou de Milton Nascimento.
eu odeio o interesse. e o desinteresse.
eu odeio quem prende, quem se prende, quem prende o outro, quem prende a mente, quem prende as correntes, quem prende o sentido.
eu odeio os sonhos. [aqueles que não vem nunca.]

sobretudo, eu odeio
esse ódio que me faz odiar. inchar
e chorar vermelho.