domingo, 23 de agosto de 2009

carpinteiro do universo inteiro eu sou

"Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?
"


Mais um da minha coleção de incompreendidos. Essa é minha homenagem a mais um gênio que reconhecia a idiotisse cotidiana que a gente vive todos os dias, com todo o direito do uso desse pleonasmo que eu possa vir a ter e ressaltando ainda mais tudo que esse representa; e que, não satisfeito viver na ponta do pelo do coelho, ainda brincou sabiamente com a monotonia burra dos que vivem agarrados à sua pele. Deixo essa confusão de tempos verbais numa referência ao seu atemporalismo musical, e também porque eu mesma me confundi ao pensar se ele brincou, brincava ou ainda brinca com os que viveram, viviam ou ainda vivem.


Nesse dia tão especial me resta muito pouco senão deixar aqui o seu canto para a aniversariante. Mesmo você que sempre enganou (engana? enganava?) todo mundo não conseguiu enganar aquela que está lá (ou logo ali), esperando cada um dos que tem vida. No mais, muito obrigada por fazer dos meus dias mais alegres e menos angustiantes com sua poesia refinada, divertida e realista. E nem um pouco louca, bem pelo contrário.


"Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa a bater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida

Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida..."

 Raul Seixas - Canto Para a Minha Morte