domingo, 17 de outubro de 2010

o gelo.

É daqui que eu escrevo. Sozinha, como sempre estive e como sempre estaremos.
Eu estive um mês inteiro fora do país. Aprendi mais do que durante todos os vinte anos, e embarcar naquele avião, com a sensação única de estar entrando em uma máquina que leva para outra dimensão, foi como ter nascido de novo; foi sentir pela primeira - e, e por isso, única - vez a minha própria solidão guiada pelos meus próprios pés.
Dentre as mais diversas sensações experimentadas de uma só vez, a maior e a que vai me acompanhar até o dia em que eu não estiver mais aqui foi a de liberdade. (Se ninguém reparou ainda, liberdade e solidão são mais ligadas do que quaisquer outras sensações.)
É olhar para os seus próprios pés e para tudo o que contribuiu pra que você seja o que é hoje - aquilo que chamam de lembranças, de mente, de razões que explicam cada um dos próprios pensamentos, e sem nunca esquecer que o que está acontecendo nesse momento também está contribuindo para o que vai ser do minuto seguinte - e finalmente notar o que estava sempre ali, só faltando mesmo perceber: que isso é o tudo, unicamente o que existe. E que é só isso o que vai te levar onde quer que você vá, em pessoa ou em pensamento.
Sozinho é como se nasce e como se morre, é sozinho que se faz escolhas, é sozinho que se vive, que se pensa, que surgem as ideias, é como se muda ou como se permanece, é como se torna ou não responsável pelos próprios atos, é como se senta e se reflete sobre a vida, ou como se deixa envolver pelos caminhos que se vai. Loucos e sãos são sozinhos, amantes e solitários também. Todos somos, e sempre seremos.
E é sozinha, como estive por um mês, e como estou agora, na companhia única e móvel do papel sendo queimado de leve pela brasa, virando cinza e caindo sobre o cinzeiro, que eu encontro, de novo, a liberdade.
Nunca foi tão bom ter a própria casa, ter o próprio chão, o próprio cigarro, sentir a própria solidão. Afinal, viver em conjunto é nada mais do que compartilhar as próprias solidões.

E eu vou acabar de ler meu livro. Se eu viver cem anos, serão cem anos só. Se não, serão menos ou mais. Ou será a eternidade de homens que vão e vem sempre sozinhos.

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