Uma vez eu vi num filme um cara falando que numa cidade normal você passa pelas pessoas, esbarra nelas, elas esbarram em você, e que em Los Angeles ninguém te encosta. E que isso faz tanta falta, que por essa razão as pessoas batem mais de carro, pra sentir o signfiicado de bater, mesmo, de encostar. E isso acontece em New York também.
Já se vão vinte e quatro dias em um cidade gigante, e muito, muito atípica. Se me perguntarem algum dia sobre os hábitos dos nova-iorquinos, não sei se saberei responder: só um quinto das pessoas que andam nessas ruas são nativos dessa cidade, e o resto vem do mundo inteiro, do mundo inteiro mesmo! Pelo meu quarto no primeiro albergue passaram uma alemã, uma belga, uma argentina, uma canadense, uma americana (ou não seria estado-unidense? a coisa mais estranha é ver todo mundo aqui dizendo "Because here in America..." e pensar quando foi que você deixou de ser também americana), uma das Filipinas (sei lá como se diz quem nasce nas Filipinas aiuhaiuhaiuhaiu). Fiz uma amiga coreana nos primeiros dias, e depois um amigo australiano, conheci mais três alemães...Na minha sala de aula, uma italiana, uma chinesa, duas coreanas, uma norueguesa, uma uruguaia; no outro albergue, uma outra das Filipinas. E a pergunta que eu mais me fazia, durante todos esses dias sozinha no meio desse bando de gente estranha, era se somos mesmo tão diferentes ou simplesmente tão iguais.
As duas primeiras semanas foram fantásticas. Foi como descer do avião direto dentro de um filme: todas as pessoas encapotadas, um frio de doer, o vento batendo no meu cabelo e todos aqueles prédios altíssimos e toda essa gente importante trabalhando, eu conseguia ouvir a trilha sonora. E não adianta vir me dizer "esse é um país que eu não queria conhecer" ou "os americanos são idiotas, não quero ficar dando dinheiro pra eles", porque é uma cidade muito linda e com muuuuuitas coisas muito interessantes pra se ver, fazer, visitar, tirar foto, ou simplesmente sentir (e além disso, não tem um papel ou cocô de cachorro no chão, eles falam "sorry" e "excuse me" a cada dois segundos, ninguém passa na sua frente na fila nem fica com seu um centavo no supermercado.. não parece um excesso de educação pra nós?) Como mesmo me disseram "uma cidade não só pra ir, mas pra frequentar". E eu acrescentaria ainda, uma cidade com muito homem e pouco deus: põe em pauta a minha sempre frequente dúvida sobre a imensidão ilimitada do homem. O homem em Nova York é gigante, e ele não fez terra, céu, mar, luz, trevas; estava muito ocupado dando vida a arranha-céus iluminados, parques gigantescos, monumentos incríveis, metrôs infinitos e pontes astronômicas, muito além do que chegou pra nós aí no Brasil, e muito mais do que conseguimos imaginar sem nunca ter estado aqui.
Era um pouquinho de saudade, era lembrar de cada um nas milhões de coisas que se vê por dia, era fazer um intercâmbio entre o que já havia de lembrança que ficava em cada momento e em cada lugar e o que eu levava a mais dentro de mim, para contar para aqueles que estiveram lá em pensamento. E também, ter que dar conta de você mesmo sem que gritar "Mããããããããe!" fizesse efeito, foi uma aventura, com muito frio na barriga.
A terceira semana foi a mais divertida, afinal, o que essa cidade tem de melhor é diversão. Eu consegui me divertir sozinha, imagina com gente engraçada junto?
E teve também o aniversário...vinte anos são dignos de muita reflexão, não acha? São duas décadas, e nunca mais se faz a mesma idade, nunca mais se conta o mesmo tempo, e cada ano que passa é um a menos (pro encontro acontecer? haha não, não) pro que ainda falta fazer, e um a mais no que já foi feito.
E agora vamos pra última semana. É tanto rosto diferente que se vê todo dia, que a gente sente muita falta de ver os rostos de sempre. A vontade de voltar pra casa, de dormir na minha cama, de pegar ônibus, de descer o calçadão, de ir pra Universidade, de brigar com a mãe todo dia, de sair com as amigas, de almoçar na vó, de fazer unha, de ver os alunos, de ir pra São João, de fazer show já é parte de mim há alguns dias (e eu nem vou falar da saudade do namorado, porque essa já tava muito forte bem antes de eu vir, imagina agora...) e falta ainda uma semana pra eu chegar lá e começar a sentir falta daqui. Mas, na verdade, acho que a maior prova de que a gente é feliz com a nossa rotina é sair dela e sentir falta.
A conclusão maior é a de que eu poderia viver aqui pro resto da minha vida, mas jamais me sentiria em casa. Essa Minas que mora dentro de mim não deixa eu me sentir parte de nenhum lugar do mundo que não tenha pão de queijo com cafézinho, doce de leite e feijão tropeiro, montanhas e fazendas e árvores, cheirinho de terra, gente simples e desconfiada. No mais, eu quero voltar mil vezes, tomara que essa primeira viagem tenha sido a porta de entrada para conhecer muitos outros lugares do mundo inteiro; mas alegria maior será, como tem sempre sido, a volta pra casa.
"It's the sense of touch. In any real city, you walk, you know? You brush past people, people bump into you. In L.A., nobody touches you. We're always behind this metal and glass. I think we miss that touch so much, that we crash into each other, just so we can feel something."Det. Graham Waters - Crash